O Livro Imaginário

domingo, dezembro 08, 2002
( 12/08/2002 06:57:00 PM ) Ana Paula
Acordou. 8:00.

O gato andava pela casa miando. Colocou leite e o bichano rejeitou. Queria colo. O animalzinho queria colo. Ela também.

Estava estranha. Uma solidão inexplicável a consumia. Sentira – se assim meses antes. Por que esta volta? “Sai solidão” – pensava.
Mas a cada passo parecia estar sendo engolida pelo sentimento. Um processo de autofagia emocional. Queria gritar. E o gatinho miava pedindo, colo. Agarrou – se ao gato e sentou na escada. Estava sozinha. Literalmente. Dentro e fora de si. Sozinha. Sozinha por fora?. Muito bom. Sem questionários.

Levou o bichento consigo até o quarto, colocou – o na almofada azul e entrou no banho rezando para o telefone não tocar. Adianta?. Nunca. A casa assemelhava – se a uma central de informações. Sua mãe recebia mais ligações que o Procon. Sai correndo enrolada.

- Alow? – pergunta esbaforida;
- Vamos nos ver hoje? – a voz suave do outro lado dissera;
- Ah! Oi! Claro! Onde? – replicou sem pensar;
- Na mesma praça, no mesmo banco, com as mesmas flores e o mesmo jardim. Tudo é igual. Mas ao contrário do Chico, eu vou estar feliz por que terei você perto de mim.
- Hummm, certo, então – respondeu sorrindo e suando frio.

Desligou. Ia desmaiar. Parede, onde está você? Achou a parede e o fôlego. Estava diante de um convite. Um convite com resposta prévia positiva, de ambos os lados. Isso nunca acontecera. Ela sabia lidar melhor com “não” do que com “sim”. A negação era o fim. E o sim era um começo. E ela havia começado antes de saber se poderia começar. Não que precisasse de permissão dos pais. Mas precisava de autorização de si mesma, ou seja, abrir caminho, deixar a porta aberta, permitir – se viver aquele sim.

Mas era tarde. Aceitara. Correu de volta para o chuveiro. Enquanto curtia a água fria, pensava em todas as coisas que vivera desde a última vez em que se viram. Em tudo o que escreveu para contar para ele, o poema que fez pensando nos seus cabelos desgrenhados pelo vento e na sua face sorridente cantando ao seu lado. E repentinamente a solidão partiu de dentro de si. Ela estava acompanhada, bem acompanhada, pela voz macia plagiando Chico Buarque ao telefone. Amava o Buarque. Crescera ouvindo – o cantar. E só sonhava, sonhava com o verso: e quero que você venha comigo...todo dia. #


( 12/08/2002 06:57:00 PM ) Ana Paula
Não sabia se corria ou se andava devagar pelos blocos de concreto, que formavam a rua larga. O dia estava quente, contrastando com seu corpo que gelava ansioso. Avistou – o de longe. Sentiu – se perdendo os sentidos. Estava quase delirando quando foi abraçada. Perdeu – os de vez.

Não sabia quanto tempo sua alma ficou inconsciente abraçada ao outro corpo. Quando recobrou os sentidos, alguém acariciava seus cabelos e murmurava alguma coisa como: “Que bom te ver!”. Balançou a cabeça em acordo. Foi suficiente. Sentaram.

Contrariamente ao primeiro encontro, não se sentia livre desta vez. Não sabia como agir em um segundo encontro, pois nunca havia tido um. Ele percebeu, abraçou – a, e quietos contemplaram o infinito nos quinze minutos seguintes. O coração parecia acalmar.

Os assuntos foram surgindo despretensiosamente, sem preocupações com forma ou conteúdo. Riram das bobagens recíprocas por um bom tempo. Ele silenciou. Fitou – o.

- Queria poder ficar assim todos os dias.
- É verdade.
- Poderei te ver sempre?
- Claro que sim!!! – respondeu amedrontada com as palavras que acabava de proferir.
- Você não fugirá de mim?
- Não!
- Tem certeza?
- Tenho!!!! – dando – lhe um beijo no rosto.

Não sabe onde buscou coragem para beijá – lo no rosto. Mas o fez. Ele sorriu e abraçou – a novamente, rezando para o tempo demorar a passar...
#


( 12/08/2002 06:57:00 PM ) Ana Paula
Deitada em seu ombro, ela percebera o adiantado da hora. Precisava ir. Mas não o desejava. Queria ficar ali. Eternamente. 17:00.

Haviam passado o dia todo em uma situação engraçada: conversavam por meia hora, calavam – se e observavam as coisas ao redor por mais um tempo. Um dos dois quebrava o silêncio e a conversa se iniciava novamente. De repente uma música começa a tocar em um carro estacionado alguns metros à direita. Ryan Adams invadia seus ouvidos com a melodia suave de La Cienga Just Smiled.

- A música é bela e ao mesmo tempo triste. É bom pensar em quem a gente gosta, mas imaginar que a pessoa está longe por opção, é, de certa forma, um tormento. Ele diz que a garota que ele ama o diz: “I see you around”. Te vejo por aí...te vejo por aí...
Terias coragem de me dizer “te vejo por aí?”.
- Claro que não, menino - dando um sorriso gostoso e o apertando pela barriga.
- Espera...espera...eu tenho cócegas.
- Ah! É? Então deixa eu te fazer rir um pouquinho...
- Não...não faz isso...que eu morro de rir...espera...não me faz cócegas. Pára um pouquinho, por favor!
- Tudo bem! Passou...passou...
- Menina maluquinha!
- Eu? Eu sou normalíssima!!!!
- Se você fosse normalíssima, não gostaria de você!!! – e abraçou – a bem forte.

Ela deixou – se abraçar por um longo tempo. Estava quieta, mas internamente saltitava de felicidade. Não estava acreditando no que ouvira. E tinha tanto medo...mas era um medo bom...medo que faz com que se aproveite o melhor possível quando se está junto. Mas era hora de ir e ela não sabia como iniciar a despedida. Baixou os olhos e silenciou. Ele esperou um momento e questionou:

- Você precisa ir, não é?
- É sim...mas não queria...você sabe...
- Calma, eu entendo. Posso te levar em casa?
- Pode...é...claro! – e estremeceu.

Se as pessoas em casa o vissem, seria preciso uma semana para que o interrogatório completo fosse realizado. Mas isto teria que acontecer um dia. Então foram...

#


( 12/08/2002 06:56:00 PM ) Ana Paula
Talvez...talvez...

Voltou a sonhar acordada. Desta vez lembrou – se do dia em que foi levada ao seu novo médico.

Ela havia completado sete anos e sua pediatra não poderia mais atendê – la. A mãe serviu como companhia ao consultório cor de creme, com luz de fundo, dando uma sensação de que aquele lugar era adulto demais para alguém com a sua idade. O médico tinha origem francesa, falava engraçado. E ao fim da consulta, em que ela parecia nada confortável, ele propôs a ela uma charada:

- “Como é que se diz sim e não ao mesmo tempo?”.

Gelou. Mas na sua coragem infantil, engrenou uma série de “simnãos” e “nãosims”, sempre ouvindo do atento doutor: “Errado, o sim veio primeiro” ou “Errado, o não veio primeiro”.

Ao final de dez tentativas, deu – se por vencida. Saiu do consultório junto com a mãe. Calada. Só falou no momento do jantar.

- “E aí filhota? Gostou do médico?
- Não gostei muito não, painho. Ele me perguntou como era sim e não ao mesmo tempo e eu
não sabia.
- Oh! Minha filha. A resposta é talvez – rindo.

TALVEZ. A resposta era TALVEZ. Sim e não ao mesmo tempo = TALVEZ.

E talvez tenha sido a resposta não encontrada, que a fizera acordar para uma das descobertas mais estarrecedoras da sua fase infantil: a dúvida. Existia a dúvida.

O mundo não estava dividido em “Sim” e “Não”. Havia o TALVEZ. Havia um meio termo. Havia algo mais, que não indicava o caminho a seguir. A resposta ela sentira no momento de hesitação, mas não conseguira expressar em palavras, por que na sua cabecinha pura ainda não existia um caminho triplo.

TALVEZ...TALVEZ...

A palavra que faltou naquele fatídico momento em sua infância, era companhia comum em sua idade adulta. Talvez ele gostasse dela. Talvez eles se veriam outra vez. Talvez a mãe não perguntasse nada. Talvez ela conseguiria dormir ao barulho da chuva, que agora retornara.

Era dia...

TALVEZ...
#


( 12/08/2002 06:55:00 PM ) Ana Paula
O sono chegou logo. O coração aliviado era refúgio para o corpo cansado da rotina. E o dia havia sido exaustivo. Ela arrumou o seu quarto e a pequena biblioteca. Tinha mais livros que roupas. E suas estantes eram verdadeiras empilhadeiras de papéis, recortes, e tudo o que se referisse à informação. Ela era uma curiosa de plantão.

Foi acordada no meio da madrugada pelo barulho da chuva. Levantou – se. Abriu as cortinas e o vidro encontrava – se embaçado. Desenhou corações e escreveu seu nome, separando delicadamente as gotículas de água com a ponta dos dedos. Os desenhos eram facilmente encobertos por novas gotículas que surgiam na superfície do vitral. E ela sorria.

Ficou ali a contemplar a chuva durante uns minutos, gostava do som de chuva caindo. Armou a rede na varanda e ali deitou – se. Sentia o cheiro de terra molhada e contemplava as gotas que caiam levemente inclinadas, formando uma malha prateada contra a luz.

E pensava. Pensava nele. Será que adormecia em silêncio? Ou também apreciava a chuva que caía naquele instante?. Suas lembranças levaram – na ao dia em que o conheceu.

Andava pela cidade. Calmamente abriu a carteira para retirar dois selos e deixou cair uma moeda do século XIX que ganhara, quando menina, do seu avô. Fechou a bolsa imediatamente e colocou – se a procurar a moeda. Poucos segundos depois, viu – se diante de um par de chinelos, de cor parda, solado grosso e preto, onde repousavam o par de pés mais engraçados que já viu. Os dedos eram milimetricamente proporcionais. As unhas bem cortadas. O corpo do pé estava coberto por uma calça jeans preta, larga. Ela sentiu medo de olhar para cima. Mas era curiosa. Olhou.

Viu seus olhos negros, seu nariz pequenino, sua sobrancelha arqueada que deu ao conjunto um ar de interrogação. Sem outra coisa melhor para dizer, ela perguntou:

- Será que você poderia afastar – se um pouco, por favor?

A expressão de interrogação aumentou. E ela, aflita, continuou:

- Só um pouquinho. Eu acho que você pisou em algo que me pertence.

Ele afastou – se. E a moeda prateada brilhou contra a luz solar. Ela sorriu, novamente. E quando observou – o, sua expressão de questionamento havia dado lugar a uma breve, mas nítida, expressão de encantamento.

Ensaiou um adeus, mas seu corpo não obedeceu. O que a estava mantendo fixa àquele lugar, junto aquela figura exuberantemente estranha? Não sabia, mas o corpo em nenhum momento a obedeceu. Ficou ali parada olhando o asfalto, esperando que ele tivesse a coragem de despedir – se. Ele também não o fez. Após três minutos nesta situação, houve uma explosão de riso, que culminou com um convite para uma água de coco na praça central. Era o início...
#


( 12/08/2002 06:55:00 PM ) Ana Paula
Enquanto sonhava acordada, a mãe olhava – a pela porta. Despertou com o peso daquele olhar repousando sobre si. A mãe recolheu – se novamente e ela ficou ali.

Sensações de felicidade e surpresa fluíam pelo corpo, ela agradava – se com os sonhos, mas estremecia com a lembrança do peso daquele olhar maternal. Era interrogatório certo. Ela não queria falar sobre ele. Ela não deseja mencionar o seu nome. Ele deve ser conhecido por ela, apenas.

Em memória, ela guarda a voz tranqüila dele para embalar o seu sono e seu sorriso para iluminar os seus dias. Até que eles possam habitar o mesmo espaço outra vez. O que não demorará a acontecer. Ela sente medo. Mas o medo confunde – se com uma vontade estarrecedora de ver aqueles cabelos, levemente desordenados pela brisa do fim de tarde, repousar sobre os olhos negros, e serem retirados pelas mãos de forma meio desajeitada, o que dava a ele um charme cativante.

Ela não escondera o seu encanto, e passara todo o tempo observando cada movimento que ele executava, com olhinhos de criança ao começar a descobrir o mundo. E não era diferente. Ela considera cada ser humano um mundo. Mas neste momento, o único mundo que a interessava estava há alguns kilômetros de sua rede, talvez dormindo, talvez sonhando acordado, talvez com ela. Talvez...
#


( 12/08/2002 06:54:00 PM ) Ana Paula
Ela dormiria cedo, mas antes resolveu que seus dedos precisavam passear pelos teclados do laptop. Sentia que chegara a hora de aliviar o coração. Há muito vinha apaixonada. Mas até então, não havia conseguido expressar esse sentimento. Enquanto ele fosse só seu era mais fácil controlá – lo. Mas decidiu que não era justo continuar aprisionando suas verdadeiras intenções.

Sentia – se pronta pra ver o coração saltitando em seu peito, como nos desenhos animados que assistia e a faziam rir como criança, inebriada pela mais mágica das aventuras.
E esse lapso de coragem gerou um poema. Era escrito para ele. Mas, quem era ele? Ela não faz menção de seu nome, ou de onde vem, onde o conheceu, nada. Mas era perceptível no canto dos seus lábios um ensaio de sorriso. Como a Monalisa. Mas o quase sorriso dela mostrava algo mais que a felicidade, indicava um alívio, uma descompressão da alma, dos desejos guardados por tanto tempo e que agora se aventuravam na tela. Escreveu:

Acompanha – me
os sussurros do coração
Pedindo – te
Um beijo, apenas um
Um alivio, apenas um
Um abraço, apenas um
De sossego

Os murmúrios do desejo
Dissolvidos nas correntes
Que percorrem minha pele
Pedem – te
Um afago, apenas um
Um carinho, apenas um
Um abrigo, apenas um
Ao teu lado

Acalma o medo que te toma
Quando meu eu chama
O amor que adormece e
Pede – te
Um olhar, apenas um
Um sorriso, apenas um
Um sinal, apenas um
De afirmação

Confirmação suplicada
Para descansar esta alma
Que ao pedir
Um toque, apenas um
Um colo, apenas um
Um momento, apenas um
Quer te ter


Ao reler o que tinha escrito enrubesceu. Mas não arrependeu – se. Era aquilo e estava decidido. Não mudaria uma palavra, um tom sequer. Queria ver até onde podia chegar.
#


( 12/08/2002 06:52:00 PM ) Ana Paula
Nos primeiros dias após a conversa ela parecia mais animada. Foi consumida por uma esperança de que a situação poderia tomar um rumo positivo.

Hoje acordou brincando com o irmão mais novo, que naturalmente estranhou, devido ao seu comportamento fechado durante as últimas semanas. Tomou o café matinal com a família sem a habitual cara fechada. Sorria.

Seu sorriso iluminara a casa inteira. Tinha uma amiga que a cada visita repetia que seu rosto parecia ter sido desenhado para o sorriso, de tão bem que lhe caia. Ela lembrara disso durante o dia e sorria mais ainda. Hoje conseguira perceber o mundo de outra maneira. E sentia sua alma pulsar de uma felicidade inexplicável. Sentia - se leve, linda, simpática, doce. E era tão bom sentir – se dessa maneira novamente; experimentava a sensação de descobrir o quanto era bela a cada visita ao quarto, deparando – se com o espelho. Sorria para si mesma e gostava de ser assim.

Contagiada por esse seu tão sublime momento, ela organizou todas as suas coisas. Deu aos lençóis cores novas, trocou as almofadas, tirou do guarda roupa suas peças leves e as sandálias baixinhas e de dedo. Ligou para as pessoas de quem lembrava com carinho e os fez sentir especiais, provocando neles uma felicidade que parecia duplicar a sua. Escreveu cartas aos seus amigos mais distantes e até respondeu suas mensagens eletrônicas com um tom mais animado, mais vivo.

Releu algumas cartas que havia recebido nos últimos anos, e saboreou uma sensação de nostalgia tão benéfica quanto o seu estado de espírito. Trouxe para a si mesma todo o carinho que aquela oportunidade reservara.

Certamente ela estava começando uma nova fase e parece querer aproveitá – la muito bem.
#


( 12/08/2002 06:52:00 PM ) Ana Paula
O Almoço estava marcado para o meio dia. Ambos chegaram atrasados. 15 minutos. Iniciaram a conversa com assuntos corriqueiros, bobagens cotidianas. Ela tinha dificuldade de começar a falar sobre si.

Ele esperava ansioso que ela tocasse no assunto que o trouxera até ali. Estava preocupado com ela. Muito preocupado. Tamborilava os dedos sobre a mesa, batia com o canudo no copo, impaciente. Não agüentou. Interrompeu o assunto com um suave e decisivo:

- E aí? Como se sente?

Ela empalideceu. Não havia mais como fugir. Respirou fundo e contou – lhe toda a história. Estava magoada com a forma como vinha sendo tratada pelas pessoas. Procurava ajudar e fora mal entendida. E suas desculpas e explicações nunca eram suficientes. Tinha procurado evitar falar o que pensava. Mas se pediam, ela dizia e era sincera.

Mas, talvez, sua sinceridade fosse a pior das armas. Falava das qualidades e dos defeitos de alguém com a mesma calma e honestidade. Dizia o que era pra ser dito. E machucava; mesmo sem ter intenção de fazê – lo, mesmo falando com sua voz mansa e seu jeito de mostrar os dois lados da situação, o bom e o ruim, machucava.

E ela não queria mais machucar, por que machucava a si mesma também. Mas não podia deixar de ser sincera. Tinha decidido aprender a calar, definitivamente. Não havia outro caminho.

Ele escutou tudo, calmamente. Não disse uma palavra enquanto ela falava. Apenas os olhos azuis moviam – se, observando o inquieto movimento dos gestos das mãos dela, que certamente contrastavam com a pseudo – serenidade de seu rosto. Diante da sua expressão de questionamento, ele apenas proferiu as seguintes palavras.

- Eu não sou padre, guru ou autor de livro de auto – ajuda, mas eu tenho algo a dizer. Use seu silêncio para observar as pessoas a sua volta. E conclua se elas são capazes de fazer pelos demais o que elas cobram de você. No mais, apenas seja sincera com si mesma. Essa é a melhor forma de ser sincera com os que convivem com você.

Silenciaram. Ela voltaria para casa pensando nas palavras do amigo. As conseqüências? Só tempo mostrará...
#


( 12/08/2002 06:51:00 PM ) Ana Paula
08:50 da manhã. Diante da tela ela sorria. Duas pessoas haviam entendido o que ela queria dizer. Uma delas morava longe geograficamente, mas perto sentimentalmente. A outra era a única pessoa, próxima, que ela esperava, naquelas circunstâncias, que entendesse seu sinal de fumaça.

Agendou um almoço para o dia seguinte. Iriam conversar. Iriam falar sobre o que ela nunca falava. Há alguns anos ela havia silenciado a respeito de si mesma, para as pessoas mais próximas. Tinha seus motivos. Tinha conhecido uma pessoa com quem tinha uma afinidade inexplicável. Conversavam muito. Ela dividia seus bons e maus momentos, seus sonhos e expectativas. Mas em uma dada época, as coisas deixaram de se encaixar. Suas alegrias eram tratadas com ironia e seus problemas como estorvo. Silenciou.

Seu silêncio durara oito meses. Durante este tempo ela falara apenas consigo, e com seus papeis. Descobriu talentos que nunca imaginou ter, como cantar, escrever poemas e compor músicas. Descobriu pessoas que tocaram seu coração de forma tão pura, que ela as carrega consigo até hoje, mesmo que estas não estejam mais presentes. Descobriu o valor do abraço, do beijo, do perdão, do ombro amigo, das risadas no meio dos estudos, das tardes ventiladas andando pela cidade, das coisas simples, enfim. Era feliz. Mesmo sabendo que não duraria para sempre. Ela traz consigo as lições de um momento em que céu e inferno se intercalaram, e essa experiência dá sustento emocional para esse novo percalço que ela está enfrentando.
#


( 12/08/2002 06:50:00 PM ) Ana Paula
As lentas nuvens fazem sono / O céu azul faz bom dormir /Bóio, num íntimo abandono/ À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água / O sentir que não sou alguém / Não sou capaz de peso ou mágoa / Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro / Saber que é ele que vai indo... / E só em sono eu vou primeiro / E só em sonho eu vou seguindo.


Ela adormeceu ao fim da tarde, em sua rede que balançava suave entre as árvores, observando as nuvens que dançavam no céu ao sabor do vento, formando diferentes figuras, ou apenas seguindo as ordens de sua imaginação.

Adormeceu com a lembrança do poema de Fernando Pessoa, que acalentava sua alma, então entristecida. Adormeceu como criança cansada do choro...
#


( 12/08/2002 06:02:00 PM ) Ana Paula
E ela andava silenciosa pela casa...
Observada por atentos olhares de terceiros que buscavam uma resposta.
Sem resposta.

O sorriso lacrimejado era visto apenas por si mesmo. Como se pudesse ser refletido em seus próprios motivos. Ela caíra hoje mais uma vez. Pela quinta vez a mesma experiência, em dois dias, apenas.

Ela era seu próprio problema. E sua própria solução. Por isso andava, andava...sem rumo pelos corredores da casa de 3 quartos. A casa era grande, mas parecia pequena pra sua inquietude.

- Bom dia, minha filha – Silencio!
- Oi!!! – Silencio!
- Tudo bom.? Como vai? – Silencio!

Não sentia a presença alheia; não sentia a si própria. Vagueava pela casa.

Sentia saudade, talvez, do que gostaria de estar vivendo. Sentia vontade, talvez, de que aquele momento fosse passado. Não estava acostumada àquela sensação de inutilidade que de repente a invadira. Era tão sublime aquela sensação de vazio, porque ela sabia o quanto era bom quando não se sentia assim. E isso era tão forte que ela quase conseguira se sentir no limiar entre a fraqueza e a força. Mas era uma fronteira um tanto incômoda. Parou de pensar...

Acordou percebendo que as desculpas que daria pra si, não diminuiriam a culpa que agora sentia. Tinha feito tudo com a melhor das intenções. Fora mal entendida. E agora convivia com a mágoa.

Enquanto Travis tocava Side. Ela pensava. O silêncio teria sido a melhor resposta. Mas a essa aula ela faltou. Ou a vida esqueceu de ensiná – la. Está aprendendo no choro. O choro que ela não quer como amigo, pois a melancolia lhe causa aversão.

Surpreendentemente, algo que a muitos fascina, ela repudia. A tristeza. A auto piedade. A melancolia gratuita.

Possivelmente goste tanto da vida, do que esta representa, das suas boas descobertas, dos seus sonhos, da sensação prazerosa de estar bem, que pensar no oposto está fora de questão.

Acho que ficará assim todo o dia. Vou deixa – la em paz. Ela não quer ser importunada.
Nem mesmo por seu pensamento.
#





O Livro Imaginário:

Imagino
Dia
Momento
Passo dado
Espera
Mundo alheio
Mundo meu

Imagino
Palavras unidas
Sentido
Quem entende
Quem nao
Estes signos

Imagino
Conexoes
Neuronios
Alma
Pensamento
Onde estas?

Imagino
Misterio
Ser
Estar
Querer
Dividir
Viver

Imagino
Circulo
Linha
Espiral
Looping
Nada
Entao...

página em branco

escreva para o livro

archives:


A história de alguém que...


Prosa e Poesia

Paralelos
Crônicas
Releituras
Portal Literal
Paralelos
Usina de Letras
PD Literatura
Letradas
Versos na Areia
Letras & Letras
Capitu
Poesias Escolhidas
Carlos Drummond de Andrade
Drummond Web Site
ComVersos

Powered by Blogger